Há dias fui comprar pão e, enquanto aguardava a minha vez, dei por mim a
olhar para a transumana que estava à minha frente ao balcão. Devia medir uns
146,5 cm de altura, mas tinha saltos agulha que pareciam catanas, portanto,
assemelhava-se a um ameaçador arranha-céus de 2 metros. Tinha cabelos
exageradamente compridos e exageradamente loiros com extremosas ondulações cuidadosamente
urdidas em pontos estratégicos e umas calças de ganga cravejadas de demasiados
brilhantes de demasiadas cores e exageradamente apertadas no quadril. Contudo,
o que mais me chamou a atenção nem foram os saltos nem as extensões nem as
calças nem mesmo o facto de cada pão custar 24 cêntimos. Nada disso.
A senhora excessivamente maquilhada, com um dos caninos borrados de
rosa-choque a fazer pandã com o batom que tinha esparramado nos lábios, e que,
à primeira vista, parecia ter uns 40/45 anos, tentava, infrutífera e
dolorosamente, abrir um pacote de adoçante. Tinha unhas que faziam lembrar os
dentes aguçados de um jovem e saudável T-Rex Spielberguiano capaz de abrir um
humano como se fosse feito de manteiga Becel e, no entanto, não conseguia abrir
aquela delicada embalagem. A ironia! Cada uma das unhas dançava atabalhoadamente
em torno do pequeníssimo pacote tentando encontrar a melhor forma de o degolar;
cada unha meticulosamente pintada e pintalgada com bolinhas e coraçõezinhos e
cachorrinhos e carateres chineses que ninguém sabe o que na verdade significam.
Lá estava ela, aflita do alto dos seus 2 metros regamboleando-se no topo das
suas catanas. Senti uma vontade súbita de lhe dizer para cortar o pescoço ao
pobre com uma das garras adamastorianas para acabar com a miséria do coitado de vez.
Comprei o pão, paguei e quando me vim embora, a mulher debatia-se com novo infortúnio:
não conseguia apanhar a colher do balcão que lhe tinha caído do pires.
Isto foram 5 minutos da vida daquela mulher, imagino as restantes 23h55.
Que luta! Respeito. Muito respeito às mulheres de longas unhas artificiais.