sexta-feira, 21 de abril de 2017

Mensagem de Deus

Ontem estava eu em casa muito descansadinha da vida a trabalhar quando me tocam à campainha. Vou à varanda, elegante, como sempre, com as minhas calças de andar por casa com unicórnios cor-de-rosa e vejo um ser do sexo feminino entretido a olhar para um autocolante qualquer num poste sobre um limpa-chaminés que "limpa tudo e não suja nada". 

Grito “Sim?” educadamente – isto para não ter de descer dois lances de escadas. A mulher não se moveu um milímetro e, de mãos atrás das costas, continuou muito concentrada no autocolante. Pensei em escapulir-me para o interior de casa e fazer de conta que nada tinha acontecido, mas depois lá aclarei a garganta, pensei "que se lixe" e larguei um “Posso ajudar?” mais sonante.

Resultou. A senhora olhou para cima, sorriu, e da entrada de casa, que não conseguia ver a partir do ângulo onde estava, emergiram mais duas cabecitas loiras, pontiagudas e muito penteadas que se apressaram a sacudir uns papéis no ar e a dizer: “Boa tarde, menina. Era só para lhe entregar a mensagem de Deus. Posso deixar na caixa de correio?”. “Pode, com certeza.” – respondi eu. – Se Deus não se importar…” Ela forçou um sorriso, dei boa tarde e entrei novamente em casa.


Entretanto, com a azáfama do trabalho, esqueci-me da mensagem, mas quando chegou o Sr. Homem da Casa, perguntei-lhe se por acaso tinha visto alguma mensagem de Deus na caixa do correio ao que ele me responde que não, que só tinha encontrado um panfleto do Ikea de Braga, mais nada. Curioso. Levanta-se a questão: seria essa a vontade de Deus, fazer-me saber que os tapetes e os candeeiros estavam com 15 % de desconto? Se tiver sido, agradeço a atenção. Caso não seja, peço a quem conheça essas senhoras que lhes diga para por favor me entregarem rapidamente a mensagem de Deus, porque agora gostava mesmo de saber o que Ele me queria dizer. Ou se possível, Deus, se me está a ler, bote um like a esta publicação, contacte diretamente através do email peripeciasdaleninha@xxx.com ou adicione-me ao Skype que para Si arranjo sempre um tempinho :) 

terça-feira, 8 de novembro de 2016

Muito, demasiado, excessivo - o problema das unhas de gel e demais variações

Há dias fui comprar pão e, enquanto aguardava a minha vez, dei por mim a olhar para a transumana que estava à minha frente ao balcão. Devia medir uns 146,5 cm de altura, mas tinha saltos agulha que pareciam catanas, portanto, assemelhava-se a um ameaçador arranha-céus de 2 metros. Tinha cabelos exageradamente compridos e exageradamente loiros com extremosas ondulações cuidadosamente urdidas em pontos estratégicos e umas calças de ganga cravejadas de demasiados brilhantes de demasiadas cores e exageradamente apertadas no quadril. Contudo, o que mais me chamou a atenção nem foram os saltos nem as extensões nem as calças nem mesmo o facto de cada pão custar 24 cêntimos. Nada disso. 

A senhora excessivamente maquilhada, com um dos caninos borrados de rosa-choque a fazer pandã com o batom que tinha esparramado nos lábios, e que, à primeira vista, parecia ter uns 40/45 anos, tentava, infrutífera e dolorosamente, abrir um pacote de adoçante. Tinha unhas que faziam lembrar os dentes aguçados de um jovem e saudável T-Rex Spielberguiano capaz de abrir um humano como se fosse feito de manteiga Becel e, no entanto, não conseguia abrir aquela delicada embalagem. A ironia! Cada uma das unhas dançava atabalhoadamente em torno do pequeníssimo pacote tentando encontrar a melhor forma de o degolar; cada unha meticulosamente pintada e pintalgada com bolinhas e coraçõezinhos e cachorrinhos e carateres chineses que ninguém sabe o que na verdade significam. Lá estava ela, aflita do alto dos seus 2 metros regamboleando-se no topo das suas catanas. Senti uma vontade súbita de lhe dizer para cortar o pescoço ao pobre com uma das garras adamastorianas para acabar com a miséria do coitado de vez. Comprei o pão, paguei e quando me vim embora, a mulher debatia-se com novo infortúnio: não conseguia apanhar a colher do balcão que lhe tinha caído do pires. 

Isto foram 5 minutos da vida daquela mulher, imagino as restantes 23h55. Que luta! Respeito. Muito respeito às mulheres de longas unhas artificiais.



sábado, 10 de setembro de 2016

Dor de Dentes

Só há uma coisa pior do que morrer. É ter dor de dentes. Passei uma noite desgraçada, de olho arregalado. Só pensava num amanhecer que nunca mais chegava. Devo ter adormecido por breves instantes, porque me lembro da vaga e etérea imagem de um dentista rodeado de uma aura celestial, sorriso tilintante e de broca na mão. Acordei de madrugada com o meu filho mais velho no meio da cama e assim me deixei ficar com ele, sem que a dor me abandonasse por tempo suficiente para conseguir dormir. Pouco depois raiava o sol.

Fui à página do consultório do meu dentista para me certificar do horário de abertura. 9h. Olhei para o relógio. Faltavam 7 minutos e meio. Doía-me tudo. Engoli meia dúzia de analgésicos. Sentia o rosto pulsar a cada inspiração. Os ponteiros do relógio batiam a cada latejar inflamado de dor que me irradiava da boca e alastrava-se pela garganta, pelo ouvido e pela cabeça. Acho que até o dedo mindinho do pé direito me doía. Pensar era doloroso. Atar um cordel ao dente, agarrá-lo a uma maçaneta da porta e fechá-la com força já fora uma hipótese mais remota. 9h01. Peguei no telefone e liguei.

O telefone tocou. Uma, duas vezes… – Por favor atende! Seria feriado? O Natal é em dezembro, não é? - Três vezes. Quando atendeu após o quarto toque e uma voz feminina monocórdica me disse que só havia consultas na última semana de setembro, morri por dentro três vezes. De certeza que não lhe doía dente nenhum. Uma lagrimazinha espreitou no canto do olho. Não ia aguentar. A morte mil vezes! “Espere, não consigo arranjar vaga com o seu dentista, mas o Dr. X pode atendê-la hoje às 18h”, disse ela de súbito. Hoje. A palavra mais bonita do mundo. “Sim, claro.” Se me dissesse que a senhora que lá ia limpar os vidros estava livre para me arrancar um dente ou dois com a chave de fendas do marido desempregado eu aceitava na hora sem pensar duas vezes. Agradeci-lhe 20 vezes e tomei mais meia dúzia de analgésicos.

O resto do dia foi cirurgicamente cronometrado. As dores eram cada vez mais intensas e estava tão cansada que nem tinha forças para me queixar com as devidas interjeições dramáticas. Questionei várias vezes a necessidade divina de atribuir dentes aos humanos para depois os encher de buracos quando esses humanos até lavavam os dentes religiosamente três vezes ao dia, usavam fio dental e ainda bochechavam uma mistela verde antes de deitar. Sim, essa era eu.

Mas bem, pouco antes das 18h, e mais meia dúzia de analgésicos depois, lá apareci eu no consultório com cara de pedinte. Fui convidada a entrar pouco depois. Depois de um raio-x, o dentista disse que tinha de desvitalizar. Levantou a seringa da anestesia no ar e eu desejei aquele líquido milagroso mais do que alguma vez desejei o que quer que fosse na vida. Até mais do que a Bimby. Momentos depois a dor desaparecera. Não fosse pela vergonha e dava um abraço ao homem. Depois de me abrir a boca de forma desajeitada e de me babar algumas vezes durante o processo, lá começaram os trabalhos manuais. “Está tudo bem?” perguntava ele, de vez em quando. “Mmm, mmm”, balbuciava eu enquanto ele me furava de um lado, a assistente me aspirava a boca do outro e enquanto isso ia imaginando uma das cenas do filme “O Dentista” que eu nunca tinha conseguido ver até ao fim.


“Desculpe, foi um nervo.” Eu sei! Eu senti! Ele e a assistente às vezes falavam como se eu não estivesse presente. “20, Dr.?” “Não, penso que 19 será suficiente.” Que será que me iam fazer 19 vezes? Medo. Até podia perguntar, mas tinha a boca ocupada. A tarefa parecia interminável. Mexe ali, mexe acolá. Enfia objeto comprido e brilhante nº 1, enfia objeto compridoe barulhento nº 2 e lá continuava eu sentada na cadeira, tesa e de punhos cerrados - apercebi-me eu a determinada altura. Tentei relaxar as mãos e estendi-as por cima das pernas, mas penso que o resultado não me fez parecer mais descontraída. “Está tudo bem?” Acenei um sim silencioso com os olhos. Sentia a saliva juntar-se, mas era difícil engolir com tanto instrumento e mãos dentro da boca deformada. Cerca de 40 minutos depois a provação tinha terminado. Quando me sentei na cadeira e o dentista se pôs a falar comigo descontraidamente pensei: “A vida é tão mais bonita quando não nos dói um dente.” E é mesmo. Tudo ganhou outra cor. O segredo da felicidade é esse. Não ter dores de dentes. 

sábado, 6 de agosto de 2016

Dedicado às pessoas que roem unhas (coisa que se chama Onicofagia)




Olá. Chamo-me Marlene. E sou roedora de unhas desde os 6 anos.

Olá, Marlene!

Este vício deu cabo da minha vida. Às vezes, isolava-me da sociedade para roer - só - mais um bocadinho, só mais aquela pelezinha que só quem rói sabe como tem de ser imediatamente arrancada ou o mundo acaba naquele mesmo instante. Não convivia com ninguém, porque tinha sempre os dedos na boca e não se fala de boca cheia, como é de boa educação. Acenava com a cabeça para dizer que sim e que não e a minha vida social resumia-se a isso. Às vezes tirava os dedos da boca para beber uma cerveja. Poucas vezes. Quando me encontrava com outros roedores, entendíamo-nos no silêncio. Eu roía, eles roíam. Só se ouvia o esporádico “cric” da unha a saltar. Por vezes partilhávamos lenços para estancar alguma hemorragia acidental. Sorríamos e prosseguíamos com a tarefa pesarosa de Sísifo. E no sossego do nosso colóquio éramos felizes, mas escravos daquele vício mundano.

Em casa, roía às escondidas. Percebi que estava doente. Os meus pais já não me reconheciam, o meu homem tinha as mãos mais arranjadas que as minhas, toda a gente sabia que algo de muito mau se passava, mas ninguém me conseguia ajudar. Enclausurava-me no quarto e roía como se não houvesse amanhã ao som de Radiohead e depois trabalhava de luvas porque as pontas dos dedos doíam enquanto teclava. O sofrimento era desumano! E era nessa altura que surgia a vergonha, principalmente quando tinha visitas e me viam de luvas de lã em agosto. Mas mal aparecia outra pontinha de unha para roer a vontade falava mais alto. Uma vez decidi pôr unhas de gel. Mas unhas compridas não dão jeito nenhum. Quem já trabalhou no comércio sabe como é difícil apanhar trocos com garras de metro. Espalhar Halibut no rabinho do bebé também não é tarefa fácil para não falar de outras coisas que não se podem dizer por aqui. Além disso, andava toda arranhada e amigos e conhecidos temiam pela vida de cada vez que eu gesticulava não lhes fosse apanhar a jugular durante um "esbracejamento" qualquer. 

Dez unhas controlavam-me. Felizmente nunca tive a agilidade necessária para chegar às dos pés. Cheguei a uma altura da minha vida que disse: “Chega!”. Gastei o dinheiro todo em vernizes “inibidores do hábito de roer unhas” – como os ditos erradamente se chamam   de várias marcas acessíveis de supermercado. Sabiam mal no início, confesso. Contudo, uns minutos depois e já os papava com ávida lambarice até me saberem a granola de frutos vermelhos (a minha preferida). Percebi que a minha vida tinha de mudar. As unhas levaram-me tudo. Só me restava a vontade de roer cada vez mais unhas e a infelicidade de não poder usar o verniz da moda a combinar com o batom de fácil aplicação da Kiko que comprei a 3,90€ nas promoções.


Mas tudo mudou. Chamo-me Marlene e já não roo unhas há 7 dias :) 

quarta-feira, 27 de julho de 2016

Noites mal dormidas, dias mal pensados

Este calor insuportável anda a dar cabo da minha sanidade mental. Ou chove a cântaros ou está um calor que não se pode. Não sei o que aconteceu à Primavera e ao Outono. Então de noite é para esquecer. Adormeço quando devia estar a acordar. Há umas noites estava eu cheia de calor – como sempre – deitada na cama completamente destapada e pegajosa e a dizer mal da minha vida enquanto virava para um lado e revirava para o outro - ao som de um mosquito corajoso que andava claramente a gozar com a minha cara e que deve desconfiar que sou membro da Associação Portuguesa de Direitos dos Animais - e lembrei-me que em miúda, mesmo em pleno verão, dormia sempre toda coberta, cabeça e tudo, com medo que algum bicho me entrasse por algum ouvido. Que coisa estúpida. Não sei de onde surgiu essa memória, nem sei porquê o ouvido, mas se eu fosse um bicho, de todos os buracos do corpo humano que existem, seria pelo ouvido que entraria num humano de certeza absoluta. E levava comigo um fato de mergulho, pinças, lanterna e desinfectante em spray. 

Mas bem, como estas noites mal dormidas são sucessivas, o meu raciocínio sai afectado (agora tenho essa desculpa). Há bocado, estava eu a preparar um lanchinho de leite com cereais e o meu filho de 2 anos disse de forma assertiva: “Caca, mamã.” Ao que eu respondi, muito eloquentemente: “Não é nada caca, é leite com cereais.” E ele responde-me de sobrolho franzido e clara indignação na voz: “Não! Tem caca no cu, vês?” E empinou o rabiosque para mim para que pudesse comprovar o lamentável e fedorento sucedido.

Ah pronto, desculpa lá! Foi um mal-entendido, sim?  Epá, preciso mesmo de dormir… E de lhe explicar que “cu” não é socialmente aceitável, só rabinho J

sábado, 25 de junho de 2016

Pesadelo

Hoje acordei suada, atarantada e assustada. Tive um sonho terrível. Daqueles capazes de nos deixar a balançar intermitentemente a um canto da casa de olhar posto no vazio, tal como depois de ouvirmos o hino do Pedro Abrunhosa. Acordei, engoli em seco, ainda a tremelicar de tamanha inquietude…. E fui lavar os dentes.

PEÇO DESCULPA ÀS LEITORAS MAIS SENSÍVEIS PELO CONTEÚDO GRÁFICO DA DESCRIÇÃO QUE SE SEGUE.

Sonhei que tinha ido a um festival de música de verão qualquer com o meu homem e que lá ia passar a noite (sendo que “lá” nunca foi lugar tornado específico pelo meu subconsciente, por isso desculpem-me a inexatidão geográfica). A meio do sonho tive de usar as casas de banho públicas do dito festival, porque estava à rasquinha. Entretanto, estando eu ainda a fazer xixi, começam a tocar os Xutos e Pontapés. Logo depois, lembrei-me que não tinha levado nem base nem secador. Se o meu sonho fosse um filme, era mais ou menos nesse instante que a câmara se ergueria acima de mim enquanto eu rodava histérica sobre mim mesma e bradava aos céus de braços levantados.


Bom dia J

quinta-feira, 9 de junho de 2016

Férias!


Engane-se quem pensa que ir de férias com duas crianças de 2 e 4 anos – ou vice-versa – é como nos filmes. Bem, até que pode ser... Se estiverem a pensar assim num mix entre “Massacre no Texas” e “Pesadelo em Elm Street” com direito às sequelas todas, mas sem a motosserra.

Na viagem de avião, trocámos de papéis. Em vez de serem eles a perguntar de meio em meio minuto se já tínhamos chegado, era eu. Entre gritos, pontapés, baba, ranho, granola a voar e vários subornos açucarados e desesperados vindos de vários passageiros assim decorreu a violenta e inesquecível viagem de hora e meia até à Madeira. Quando lá cheguei, só conseguia pensar na viagem de regresso. Será que ia ter de levar com aquele circo todo mais hora e meia? O meu pobre coração não aguentava mais uma viagem daquelas. “Mas depois penso nisso”, animei-me eu com uma palmadinha nas costas, “Já passou, já passou”, cantarolei mentalmente. Finalmente poderia descansar agora que estava em terra. Nada poderia ser tão mau como aquela viagem. Pensava eu, em toda a minha ingenuidade...

Ora bem, conseguir fazer uma refeição com os dois sentados era mentira. Sentar para comer é para fracos. A melhor refeição que lá fiz foi quando ambos adormeceram no restaurante. Maravilha! J A pior foi com o mais novo ao colo enquanto sorvia a comida de pé (nem sei o que comi) para depois chegar ao quarto e levar com o vomitado do mais velho em cima. Maravilha! J

Mas eles não se ficam pelas refeições: dormir também é para fracos… Bem como vestir, lavar dentes, andar de carro, subir escadas, descer escadas, entrar em elevadores, carregar em botões (todos, todos, todos), respirar… Tudo era motivo para fazer mais uma birra. Não sei que se passou. Ainda hoje desconfio daquelas bananas. E o melhor mesmo era a porta do quarto do hotel não permitir trancar por dentro, bastava rodar a maçaneta e eis que todo o hotel estava à disposição o que resultava em breves fugas do mais novo pelos corredores com o pai em cuecas a persegui-lo. Felizes das velhotas que puderam testemunhar aquele momento.


Só vos digo uma coisa: ir de férias cansa. Só volto a fazer férias em 2050!